11 setembro 2012

Despedida antes da hora I Hermes Machado

Despedida antes da hora I No Mundo e Nos Livros


Lá estava Amâncio Carrasco com seu cão. Ele que adotara por preceito fazer parte daqueles que levados pela compaixão, tinha por hábito premiar com a adoção cachorros abandonados nas ruas, de porte grande e com idade avançada. Neste caso, pensava ele, por conta da não preferência para esses cães, dado o custo para  alimentá-los, a sujeira que estes produzem com suas abastadas fezes e xixis, e espaço físico para mante-los livres das correntes. 

Contrariado, lá estava ele acompanhado de seu bichinho de estimação, desta vez, um cão da raça Dobermann aos seus olhos, visto que para os médicos que o avaliaram, prescreveram no prontuário do animal se tratar da raça S.R.D.
– S.R.D.  são eles – sentenciou Carrasco, ante a maledicente sigla para: sem raça definida. 
Estando com aproximadamente nove anos de vida sendo três sob a tutela de Amâncio, Apolo tinha porte e aparentava altivez apesar de, na ocasião, com dores mancava do membro posterior direito. 
Já, no consultório da clínica veterinária apossado de laudos, raios-x e caixas de remédios, seu tutor precisou tomar uma difícil decisão. 
em nome da “ciência experimental dos doutores de faz de conta, muitas vezes, manufaturadores de exames, biópsias, cirurgias que deveras, só trazem sobrevida aos seus bolsos já empanturrados de ganho ilícito à custa do ludíbrio daqueles que sofrem por quererem a qualquer preço salvar seus entes
Ante o exposto pela doutora, diagnóstico de ostossarcoma canino, a ele lhe restava duas saídas: na primeira, amputação do membro posterior direito, visitas indispensáveis à clínica para sessões quimioterápicas bem como administração constante de remédios via oral sem falar dos custos orçamentários e dos agressivos efeitos colaterais que estas drogas provocariam ao seu cão que lhe dera até então tantas alegrias, proteção para seu lar e dezesseis pontos no pulso direito em uma única ocasião que "o deus grego do mundo cão" lhe ladrou assim que adentrava a casa carregando algumas latas de carnes para dito, filho de pêlo, em um dia que precisou fazer horas-extras no trabalho e chegou de volta a casa em horário não costumeiro. 
Na segunda saída; bem, esta lhe pareceu mais sensata. Vendo que na primeira hipótese, o sofrimento do animal e de sua família se estenderia por mais algum tempo ao lado de um cão condenado que em nome da “ciência experimental dos doutores de faz de conta, muitas vezes, manufaturadores de exames, biópsias, cirurgias que deveras, só trazem sobrevida aos seus bolsos já empanturrados de ganho ilícito à custa do ludíbrio daqueles que sofrem por quererem a qualquer preço salvar seus entes irracionais”, precisou ainda, ouvir da médica chefa acompanhada de seis residentes, todos vestidos da mais cândida cor, a garantia de melhor qualidade de sobrevida para o pé na cova, ou melhor, pata na cova. 
Num profundo suspiro de pesar e vendo que os sete anjos os observavam gélidos esperando sua decisão, Carrasco abraçou ternamente seu cão, beijou-lhe o focinho e acompanhando-o até a sala reservada para eutanásia ficou ao seu lado até que tudo se desse por consumado.


Hermes Machado é escritor paulistano que vive na Baixada Santista. Antes de iniciar a carreira literária atuou como guia para congressos nos Estados Unidos, foi executivo de empresas e gestor de negócio próprio. É autor do romance Vitória na XXV, possui contos e crônicas em sites e jornais impressos no Brasil e exterior.

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