10 agosto 2012

A senha para saborear o bolo I Hermes Machado

A senha para saborear o bolo I No Mundo e Nos Livros

Ainda morando na casa de seus pais, o jovem rapaz apelidado por Thom, quando se preparava para ir dormir em seu quarto notou seu pai entretido com um novo título de livro, desta vez, “O Príncipe de Nicolau Maquiavel”. Naquele dia Thom resolveu perguntar ao seu pai, Normando Castelo, algo que lhe perturbava: Qual era a importância dada por ele à leitura de tantos livros? A resposta do pai lhe sobreveio de pronto:

A leitura desses livros, sobretudo os de literatura, leva-me para lugares que não teria condições de conhecer de outra forma. É nesses livros que viajo aos confins da terra. Posso voltar ao passado e observar com os olhos da mente cada passo da heroína Joana D’arc em sua saga em prol da liberdade da França, posso acompanhar as batalhas do grande guerreiro grego Acquiles contra os troianos, posso enfim, através dos livros ter consciência dos erros e acertos dos homens e com isso estar prudente quanto aos meus próprios passos no decorrer da vida que me é reservada.
Também posso lhe afirmar meu filho que é nos livros que tenho os mais vastos conhecimentos sobre assuntos que envolvem as carreiras profissionais mais diversas, sejam elas nos campos da economia, justiça, política, indústria, comércio, guerra, religião e assim consigo dar boa interpretação dos códigos de linguagem usados por esses profissionais dos mais diversos setores da sociedade. – Não entendendo muito bem o que seu pai quis dizer com referência aos códigos de linguagem, seu filho indagou?
O que o senhor quer me dizer com isso pai? Por acaso há alguma relação com palavras técnicas usadas em um meio profissional? – Percebendo o interesse do
Filho, Normando Castelo lhe apresentou um romance que já havia lido outrora:
Veja o quão interessante é este romance meu filho; a história trata do envolvimento de uma filha e do suposto namorado na autoria da morte de seus pais para obter de maneira sórdida a herança. Aqui, nesse romance, através das letras e linhas impressas em unidades de pensamentos formando uma engenhosa teia de idéias relacionadas é possível, à medida que se lê, acompanhar de camarote, de maneira tal como um privilegiado expectador, cada passo arquitetado, pela filha e seu namorado na prática de um crime bárbaro.
Também é possível observar o meticuloso trabalho de policiais e peritos no encalço de provas que possam incriminar possíveis suspeitos. Por fim, o complexo jogo de xadrez onde de um lado do tabuleiro se encontra o promotor, representando a vítima e do outro o defensor dos supostos autores do crime. Cada um desses exímios artistas do pensar, munidos de perícias, resultante do exercício contínuo de leituras e releituras de milhares de laudas processuais que lhes trazem suporte para mais uma envolvente batalha judicial. Desta forma filho, o que quero lhe mostrar é que a leitura de modo geral, seja ela provinda de um artigo de jornal ou revista, de um gibi ou de uma história infanto-juvenil acresce valores indispensáveis na formação dos nossos modos de pensar quanto as possíveis interpretações que daremos sobre o mundo e a vida, não obstante vivenciada nos livros.
 O bolo é grande e delicioso. Há muitas pessoas na festa. Elas são empanturradas com balinhas, docinhos e salgadinhos, mas o bolo... Este, por enquanto, ainda é repartido entre poucos privilegiados.
Infelizmente vivemos em uma sociedade desinteressada pelo indispensável hábito da leitura e isso se dá, sobretudo nas classes desfavorecidas onde justamente esta consciência favorável à leitura seria a chave certa que abriria as portas do saber para o melhor posicionamento social, educacional e profissional. – concluiu o pai.
 Pensativo, thom perguntou: Se é este o caminho, por que falta interesse nas famílias de modo geral pelo bom gosto das leituras de qualidade? 
– Isto como dizia seu avô, meu filho, são outros quinhentos! O que posso lhe adiantar é que vivemos numa sociedade capitalista. As regras do jogo são determinadas por quem está no poder, sempre alicerçando o controle nas mãos da elite pensante.
É muito fácil manter o poder quando se tem uma população desinformada, desinteressada, desestruturada socialmente, marginalizada e segregada. Informação é poder. O bolo é grande e delicioso. Há muitas pessoas na festa. Elas são empanturradas com balinhas, docinhos e salgadinhos, mas o bolo... Este, por enquanto, ainda é repartido entre poucos privilegiados. Portanto meu filho, se você quer saborear o que há de melhor na festa e se posso sugerir, sobretudo aos jovens, qual é a senha para ter o direito de saborear o bolo, minha sugestão é:
Vá consumindo sem demora, as estórias dos livros que estão se corroendo por traças nas estantes abarrotadas das bibliotecas públicas, por falta de uso ou nos porões de suas casas. Devore-os e você certamente encontrará a senha, quem sabe no mais roto dos livros.
Hermes Machado é escritor paulistano que vive na Baixada Santista. Antes de iniciar a carreira literária atuou como guia para congressos nos Estados Unidos, foi executivo de empresas e gestor de negócio próprio. É autor do romance Vitória na XXV, possui contos e crônicas em sites e jornais impressos no Brasil e exterior.
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