19 julho 2012

Escola Pública Martírio dos Mestres I Hermes Machado

Escola Pública Martírio dos Mestres I No Mundo e Nos Livros

A campainha anunciando a entrada dos alunos da escola pública Martírio dos Mestres, toca. Em tropa, a 8ª. Cavalaria do regimento de infantes avança desenfreada em gargalo, porta adentro da sala que lhe fora destacada. Ainda no funil, passadas maliciosas de mãos, puxões de cabelos, safanões, tapas, e chutes são desferidos em meio ao torvelinho. Ao ocuparem a sala de aula a bandeira da permissividade é desfraldada por alguns que sem noção de direito e civilidade comprometem o desejo daqueles que se esmeram em busca das qualificações mínimas e necessárias para se relacionarem em grupo.

Entre os ordinários um deles se destaca: Marcelo Tornado, um jovem rapaz intragável que usa da avantajada compleição física e personalidade atroz para impor seus desejos nocivos sobre aqueles que ele escolhe a dedo para serem suas vítimas do que hoje costumeiramente chamam de bullying. Entre as vítimas desta vez, pasmem, não está este ou aquele aluno cujo perfil denota comportamento exemplar ou comprometimento com os estudos. A “bola da vez” é o professor. Ante a confusão generalizada na classe Célia Mormaço encoraja-se: – Bom dia! – enquanto poucos lhe dão boas vindas, a maioria dentre os demais a ignora. O dia é realmente abafado. O sol irradia a luz por entre os vidros das janelas que compõe aquele espaço destinado a educação. De súbito, Cida Vendaval levanta-se da carteira onde está posicionada e dirige-se ao interruptor que faz funcionar o ventilador contendo três pás em forma de hélices. Aciona-o. Enquanto isso, Mormaço tenta conter a balbúrdia. Neste mesmo instante, aproveitando-se da distração da já apoquentada instrutora de língua portuguesa, Tornado arremessa um estojo de acrílico contra o aparelho de ventilar que gira na velocidade máxima.


Os tempos mudaram, os dispositivos legais é que não parecem acompanhar o ritmo tendencioso da desordem.

Ouve-se um estampido. Estilhaços do que era um estojo de lápis, apontador, borracha e canetas se espalham por todos os lados do reduto. Para sorte dos alunos, apesar do susto, ninguém se fere. Ao ver a cena que se segue com gritos e xingamentos da parte de alguns alunos contra o vândalo, Mormaço não querendo atrair para si a animosidade de Marcelo Tornado põe “panos quentes”, afinal é de seu feitio e ela sabe que não se deve correr riscos com um aluno mentecapto. Os tempos mudaram, os dispositivos legais é que não parecem acompanhar o ritmo tendencioso da desordem. Assim, alinhando-se ao sistema, Célia Mormaço, desorientada como quem pede uma trégua, ergue em punhos o estandarte da conivência. A aula enfim, aos solavancos começa. Ela sobrescreve a matéria no veterano quadro negro que é previamente dividido em três partes com riscado de giz. Empunhando o bastonete de greda como arma para conter a bagunça na sala, Mormaço dispara a escrever compulsivamente preenchendo em poucos minutos as três páginas da lousa, que são apagadas e reescritas sucessivamente por intermináveis cinqüenta minutos até que sua obrigação naquela classe se dê por encerrada.

Dever cumprido recolhe a caixa de giz, a caneta vermelha, o material didático e com o calor humano que lhe é peculiar, leva-os ao peito, abraçando-os carinhosamente. Quando se prepara para sair, já na porta é surpreendida por Marcelo Tornado. Enquanto ele a distrai com desculpas, Marco Carrasco, seu comparsa nas sabotagens aproxima-se detrás da professora com um isqueiro e acionando-o, ateia fogo no cabelo dela. – Que fumaça é essa saindo da senhora? – Cínico, Tornado questiona-a com sinal de espanto. Tomada pelo desespero Célia Mormaço grita sentindo o ardor das chamuscas em sua cabeça no tempo em que Cida Vendaval a largos sopros tenta extinguir já, as brasas. A diretora, a coordenadora, a merendeira, o inspetor, os professores e alunos, todos que partilham do suposto auspicioso lar da educação, tomam conhecimento do caso. Resultado: Célia Mormaço é transferida de escola, pois a direção entendeu que não era seguro para ela continuar naquele local. Após o episódio, a reputação de Mormaço perante os que presenciaram o incidente era de total escárnio naquela contemplada entidade do saber, Escola Pública Martírio dos Mestres.

Hermes Machado é escritor paulistano que vive na Baixada Santista. Antes de iniciar a carreira literária atuou como guia para congressos nos Estados Unidos, foi executivo de empresas e gestor de negócio próprio. É autor do romance Vitória na XXV, possui contos e crônicas em sites e jornais impressos no Brasil e exterior.

***